Padrão da raça muda para preservar a aparência elegante e harmoniosa desse simpático cão pintado
Ele atrai olhares de verdadeira admiração por onde passa. A pelagem branca, enfeitada por pintas escuras, é tão característica e apreciada que chega a determinar o destino da raça. Não é à toa que o Dálmata foi escolhido como acompanhante de nobres nos tempos das carruagens. A aparência bela e chamativa, o porte e a elegância natural, a grande resistência para longas caminhadas faziam dele o cão perfeito para essa função. Herança do tempo em que os carros de combate a incêndios eram puxados por cavalos, o Corpo de Bombeiros, em cidades dos Estados Unidos e da Europa, adota o Dálmata como mascote. Foi também o charme exclusivo das pintas que alçou a raça ao estrelato em 1961, com o lançamento de "Os 101 Dálmatas", da Disney. O desenho contava a história de uma milionária excêntrica e inescrupulosa, capaz de tudo para ter um maravilhoso e original casaco de peles de Dálmatas!
Criadores do mundo todo admitem que a popularidade do Dálmata nas últimas três décadas esteve intimamente ligada ao grande sucesso do desenho animado - e do seu relançamento em vídeo. Vários países, entre eles Inglaterra, Itália e Japão, assistiram a uma duplicação do número de registros de nascimentos de Dálmatas nos últimos três anos. Na Inglaterra e na Itália, a raça está há anos entre as 14 mais procuradas; no Japão, ocupa o 26o lugar. Nos Estados Unidos, o Dálmata permanece entre as onze mais desde 1993. No ano passado, somente os EUA registraram mais de 36 mil filhotes. Neste ano, com a estréia da versão cinematográfica estrelada por Dálmatas em carne e osso, há expectativa de um novo impulso no interesse popular pela raça. "Quando as pessoas entram em contato com a raça, ainda que nas telas do cinema, não resistem à sua beleza e elegância", diz a criadora italiana Fiorella Mathis. É mesmo difícil não se deixar seduzir pelo charme das pintas do Dálmata. Eneida Hanke, proprietária do Canil Pontal da Solidão há 18 anos, em Porto Alegre-RS, confirma essa impressão. Segundo ela, 90% dos compradores que procuram o seu canil o fazem exclusivamente atraídos pela beleza da raça. "Antes do relançamento do vídeo, eu demorava até seis meses para vender uma ninhada, mas agora nem consigo atender todos que me procuram", diz. "Até dezembro do ano passado, antes que o vídeo 'Os 101 Dálmatas' fosse lançado no Brasil, chegava a demorar três meses para vender os filhotes, mas agora recebo reservas antecipadas", diz João Paulo Pellizari, do Colosso Kennel, em Jundiaí- SP. Eneida conta uma história curiosa, que mostra como é grande o ibope da raça junto às crianças. "No ano passado, uma pessoa de São Paulo me ligou para levantar preço de uma compra de oito filhotes de uma vez", conta. O motivo? "Ela estava organizando uma festa de aniversário para seu filho e ia sortear os filhotes entre os convidados; uma concorrência da qual não quis participar, por motivos éticos."
O primeiro padrão, escrito em 1886 na Inglaterra, atribuía 40 pontos à marcação do cão, enquanto todos os outros oito aspectos juntos somavam 60. Isso significa que, ao participar de uma exposição de beleza, os cães com pintas bem distribuídas se saem melhor. O padrão atual do American Kennel Club, nos EUA, dá a maior importância à distribuição e ao tamanho das pintas num julgamento. A Federação Cinológica Internacional (FCI) também sempre valorizou a boa marcação. As pintas devem ser o mais redondinhas possíveis, bem definidas, em cor preto ou fígado sobre branco puro, sem mistura de cores e menores nas extremidades (cabeça, patas e cauda). Muitas pintas juntas, formando "cachos de uva", também são indesejáveis. "Elas prejudicam o visual simétrico da marcação das pintas no cão, mas são difíceis de ser totalmente evitadas", esclarece o criador Alberto Salim Saber, do Ebony Spots, em São Paulo, um dos mais antigos do Brasil. Há quatro anos, a FCI passou a descrever a aparência ideal do Dálmata com mais minúcias em um novo padrão, ainda não adotado no Brasil. Foram introduzidas diversas faltas desqualificantes. Muitas relacionadas a defeitos de marcação. O presidente do Comitê de Padrão da FCI, Juan Morris Pachoud, enfatiza que parte importante das mudanças destinam-se ao melhor controle das famosas pintas. O novo padrão determina, por exemplo, que elas devem ter entre dois e três centímetros e, nas extremidades (cabeça, patas e cauda), devem ser menores. Essa precisão veio substituir a descrição anterior, que dizia que o tamanho das pintas do Dálmata podia variar entre o da moeda de 50 centavos e o da de cinco francos franceses. Grandes manchas, ou patches - sinônimo de mancha, em inglês-, nome que é usado também pelos criadores brasileiros (a França chama de "placas"), agora são motivo de desqualificação. Cães com essa marcação já nascem assim, ao contrário dos pintados, cujas pintas começam a aparecer ao redor dos 15 dias. Alberto explica que as manchas patches podem surgir no dorso, formando uma sela; na cauda, ocupando mais da metade do comprimento, e na orelha, invadindo a cabeça (sem a invasão, não se trata de patch).
Marcação em monóculo (grandes manchas redondas ao redor dos olhos) também conhecida como "marcação pirata" passou a ser considerada uma falta desqualificante. O mesmo vale para um Dálmata que simultaneamente tenha pintas pretas e outras de cor fígado, os tricolores. "Quando isso ocorre, as pintas com a segunda cor sempre aparecem desbotadas, e em regiões específicas como na parte interna dos membros dianteiros, na lateral do focinho, no antepeito e na face interna das orelhas", esclarece Alberto. Também são desqualificados exemplares com pintas amarelas (limão).
O antigo padrão não comentava nada sobre Dálmatas com olhos azuis. Apenas dizia que os olhos deviam ser escuros nos cães pretos, e âmbar nos fígado. Agora eles também fazem parte das faltas desqualificantes. Segundo Pachoud, há evidências de que olhos azuis são indício de um começo de despigmentação. Cães assim tendem a apresentar lábios e nariz rosados e, em alguns casos, até surdez. "Parece haver uma ligação genética entre olhos azuis e surdez", diz Pachoud. "Cerca de 25% dos Dálmatas europeus têm algum tipo de surdez, total ou parcial", estima. Ele explica, ainda, que dificilmente se detecta surdez parcial sem recorrer a exames específicos. Brian Leonard, diretor do The Kennel Club, na Inglaterra, confirma a estatística. O problema é tão sério que no ano passado o clube, em associação com a entidade filantrópica Charitable Trust, investiu boa parte dos US$ 495 mil, destinados a pesquisas genéticas, no estudo das causas de surdez na raça. Sid Rimley, veterinário norte-americano, tem uma estatística mais favorável, mas ainda assim preocupante. Segundo ele, nos EUA, um em cada dez filhotes de Dálmata é surdo.
A decisão de permitir cães menores foi adotada devido à constatação de que existem excelentes Dálmatas também entre os de menor porte. A determinação de peso no padrão garante a elegância da raça, pois combinado à altura resulta a harmonia das formas. "Foi um passo importante para obter Dálmatas cada vez mais proporcionais, mas pode ainda ser aprimorado no futuro, ampliando as possibilidades de pesos", diz Fiorella. "Outra modificação que poderá ocorrer em breve é em relação à dentição, pois há muitos Dálmatas com perda de dentes e mordedura errada", completa.
Sheila Stevenson, secretária do Clube do Dálmata na Inglaterra, esclarece que o padrão inglês, redigido pelo The Kennel Club, permanece inalterado. Ele era adotado pela FCI e ainda está em vigor no Brasil - a data original dele é de 1988, mas foi traduzido para o português em 1994. Já o novo, tem data original de 1992, permanece sem tradução pelas entidades cinófilas brasileiras e não chegou oficialmente aqui (veja a tradução em Padrão Oficial, que Cães & Cia publica em primeira mão). "Não sabemos de nenhuma modificação ocorrida no Padrão Oficial da FCI", comenta Aurora Ricciluca, presidente do Dálmata Clube de São Paulo, filiado à FCI.
Depois de bem escolhido, um bom filhote não requer muitos cuidados especiais. Magnani diz que não se deve usar escovas comuns no pêlo do Dálmata, que é muito curto. "As cerdas podem irritar a pele e o pêlo morto não sai", conta. Prefira um pano úmido (uma vez por dia na época da muda, que ocorre anualmente; e uma vez por semana no resto do ano). Pellizari recomenda o uso de luvas de borracha. Banhos podem ser dados mensalmente. E as orelhas, limpas a cada quinze dias.
O único problema congênito de saúde relatado pelos entrevistados é a surdez, mais comum em cães brancos. Para ajudar a erradicar o problema, deve-se excluir esses exemplares da reprodução. Segundo os entrevistados, um Dálmata saudável pode proporcionar entre dez e 14 anos de companhia e alegria a seus donos.
Fonte:
Reportagem: Silvio Muto e Alonso Vera Junior. Texto: Léa de
Luca.